Sociedade dos Poetas Anônimos

Um bando de desocupado filosofando sobre poesias, filosofias, idéias e afins.

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quarta-feira, maio 21, 2003

 
Os lírios do campo

Pai, olhai por mim os lírios do campo
Flores estas que um dia foram a minha paz.
Protege os lírios do campo que hoje vejo
Com saudades, mas não quero voltar a vê-los.

Pai, rogai pelos lírios do campo
De beleza pura que me encanta
Que um dia me encantou
Hoje é apenas meu descaso.

Pai, afasta-me dos lírios do campo
Seu aroma me machuca como espinhos
Espinhos que não possuem
Mas machucam.

Pai, tira os lírios do campo de minha vida
Não os quero mais
Tampouco quero dizer novamente seus nomes
Seus nomes que há tão pouco tempo eram minha
[maior lembrança

Pai, olhai por mim os lírios do campo
Pai, rogai pelos lírios do campo
Pai, afasta-me dos lírios do campo
Pai, tira os lírios do campo de minha vida

Que não sou digno, e tampouco sou deles.

João Francisco A. Enomoto

terça-feira, maio 20, 2003

 
O mundo sem óculos

Experimentei um dia andar pelas ruas de São Paulo, sem usar meu óculos de três e poucos graus de miopia. Sai de casa e vaguei pelas ruas da selva de pedra que me cercava.

Olhava atentamente os rostos dos transeuntes que por mim passavam. Todos sem rostos, desfigurados pela minha incapacidade de poder compreendê-los ou por que realmente não tinham rosto. Nunca hei de saber. Caminhava e olhava o lindo azul-vermelho-gris que se formava no céu da manhã. A lua, ainda discreta, insistia em permanecer no céu, minguando sua imagem a estes olhos. Pude ver ainda uma ou outra estrela perdida, que não se acolheu pelo véu da noite. E as pessoas desfiguradas continuavam passando por mim, enquanto me encaminhava até o metrô. Os comerciantes da praça de Santa Cecília, todos desfigurados, vendiam bolos, pães, biscoitos e esquentavam a paulicéia com seu café.

No metrô nada diferente. Trabalhadores e estudantes seguiam rumo a seus respectivos destinos, mas todos desfigurados. Ao chegar na estação da Sé, vi aquele amontoado de pessoas desfiguradas tentando correr contra os próprios tempos para alcançar seu destino. Na calma de sempre segui para o meu caminho, ainda transtornado de ver todas as pessoas que me cercavam desfiguradas.

Passava eu pela Liberdade. E por mim passavam todos os japoneses e nisseis desfigurados. Só não eram desfigurados os outdoors e anúncios, por serem grandes demais para serem pelos meus míopes olhos desfigurados. Marcas de todos os tipos se manifestavam, de meus olhos o único consolo, única entidade plenamente vísivel e compreensível. Seguia no meu caminho vendo as costas de pessoas sem rosto.

Cheguei ao meu destino e fui lavar meu rosto transtornado por não conseguir enxergar. Quando me olhei no espelho, me vi desfigurado, qual todos que me cercavam. Tudo estava desfigurado. Eu estava desfigurado. Após as aulas segui com meus amigos desfigurados até o metrô. Grato sou a eles, pois em meio a tamanha desilusão de ver tudo desfigurado, senti-me desnorteado, quase perdendo o caminho para casa.

Voltando ao caminho que me levou, um rapaz me aborda. Não consegui ver seu rosto. Ele me dizia: "Passa a grana, malandro, senão tu vai tomar bala!". Muito sem exitar eu peguei minha carteira e entreguei os poucos Reais, desfigurados, que nela estavam. Um outro rapaz gritou: "Vamo logo, Violência! Senão os coxinhas vão pintar na área!". O outro respondeu: "Tô indo ae, Descaso. Tô com a grana aqui". Levaram meu dinheiro e se perderam no meio do mar de rostos desfigurados. Uma mulher, e só a reconheci como tal pois ouvi sua voz, me recomendou: "Vai na delegacia e denúncia eles, filho! Eles fazem um retrato do suspeito e prendem ele!". Mas como havia de explicar àquela senhora a indireferença de meus olhos quanto a Violência e o Descaso?

Roubado e desnorteado, nada mais me restou, a não ser voltar para casa e colocar os óculos que tanto me faziam falta. Isto não é mundo. Prefiria ver toda a realidade que me cerca, as pessoas que por mim passam e ver meus amigos. Quem sabe até enxergar a Violência e o Descaso.

Abro a porta de casa e pego, como num avanço, meus óculos. Sigo até o banheiro brevemente para lavar o rosto antes de colocá-los. Naquela água refresquei os olhos que me ardiam da poluição de São Paulo. Ponho os óculos nos rosto, olho-me no espelho e para minha surpresa eu ainda estava desfigurado. Limpo a lente numa tentativa desesperada de poder voltar a me enxergar, mas de nada adiantou.

Inconformado, escrevo estas linhas sobre minha desventura. O que mais me surpreende é que elas a mim são visíveis, mas desde então nunca mais consegui me enxergar, nem os rostos dos pedestres, tampouco de meus afáveis amigos. E nada além destas linhas me faz sentido. Tudo é interpretado por mim como reles borrão. Foi quando me dei conta, de que todos nós somos míopes e achamos que vemos a realidade com nossos óculos. Mas nem eles são capazes de possibilitar nossa visão para outras pessoas, para as pequenas coisas da vida, para a Violência, o Descaso e outros personagens que passam por nós, desfigurados.

João Francisco A. Enomoto

domingo, maio 18, 2003

 
Agradecimento

Pai, obrigado por me ter feito louco. Por poder acreditar em algo que não se vê e que nunca fui cético. Acredito cegamente no amor. Obrigado por ter me feito fruto do amor de duas pessoas e poder amar livremente quem meu coração amar. Obrigado pelo dom que tenho de poder amar incondicionalmente qualquer ser que o destino de repente coloque no meio do meu caminho. Obrigado por amor ser o acaso, não obrigado. Pelo sentimento mais puro é afável do mundo que é essa inquietude do coração. Perda da razão em muitos casos, mas não poderia ser diferente com sentimento tão importante em nossas vidas.

Obrigado por ter alguém, na qual meu coração se agita ao ver, que o amolece todo e me tira a concentração todos os dias.

Pai, obrigado.

"Se tudo que fosse bom em nossas vidas durasse para sempre, viveríamos eternamente e um único amor."

João Francisco A. Enomoto